VR RELATADAS.http://www.financista.com.br/noticias/reforma-na-previdencia-sera-adiada-ate-ficar-cara-demais-diz
SÃO PAULO – Sem consenso na sociedade sobre a necessidade de uma reforma da Previdência, a tendência é que ela seja empurrada para debaixo do tapete até que o custo de protelar as mudanças seja superior ao de enfrentar o problema, a exemplo do que aconteceu com a hiperinflação. A avaliação é de Fabio Giambiagi, especialista em finanças públicas e previdência social.
Para Giambiagi, apesar da urgência em debater o tema, a classe política se recusa a iniciar a reforma previdenciária devido à impopularidade das medidas que necessariamente seriam adotadas. Com isso, o economista aponta que até hoje nenhum governo se empenhou firmemente na missão.
Também não há esperança de que isso aconteça no segundo mandato de Dilma Rousseff. “Impossível o atual governo aprovar uma boa reforma da Previdência porque ele dorme com o inimigo”, disse Giambiagi em entrevista a O Financista.
Veja, abaixo, a entrevista concedida por Fabio Giambiagi a O Financista:
O Financista: O senhor avalia que a sociedade compreende o tamanho do problema da previdência e seus efeitos colaterais para os beneficiários no futuro? Quanto a possível resistência da população atrapalha na reforma previdenciária?
Fabio Giambiagi: Respondo com o que eu disse semana passada numa palestra: Ocorrerá com a Previdência algo parecido ao que ocorreu com a hiperinflação. Esta só acabou quando o custo de protelar o seu combate se tornou maior que o custo de enfrentá-la.
A classe política tem se recusado a encarar a reforma previdenciária devido à impopularidade desta. Em nome da conveniência de evitar atuar com esse ônus, o país tem se defrontado com a necessidade de fazer cortes na saúde, com um encolhimento da economia e com um salto da relação gasto do INSS/PIB. Quando esse processo se tornar insuportável, a hora da reforma vai chegar.
O Financista: Há muito tempo se fala sobre o déficit previdenciário e que isso um dia inviabilizará as contas públicas. Quando chegaremos ao fundo do poço?
Giambiagi: A situação lembra um pouco a fábula do sapo que estava num aquário cuja água começa a esquentar. Se o sapo é jogado de repente num lugar onde a água está a 50 graus, ele vai pular. Porém, se quando ele é colocado a água está a 25 graus e depois ela vai esquentando 1 grau a cada hora, talvez ele vá se acostumando.
Não há uma regra definida, do tipo "acima de tanto, estoura", mas da mesma forma que cedo ou tarde o sapo vai acabar percebendo que a água está quente demais, cedo ou tarde a sociedade acabará percebendo que gastar cada vez mais com aposentadorias precoces e deixar políticas públicas essenciais sem recursos é uma aberração.
O Financista: Há um consenso da necessidade de reforma previdenciária, mas nenhum governo anterior conseguiu encaminhar um projeto consistente com grandes mudanças. Quais foram as dificuldades enfrentadas pelos governos anteriores para não dar início à reforma?
Giambiagi: Me desculpa, mas não há consenso. Se houvesse, não existiria o problema. Pode haver consenso entre os economistas pro-reforma, mas não na sociedade. O que há, sim, é uma percepção difusa e crescente de que "é preciso fazer alguma coisa", porque todo mundo sabe que as pessoas estão em média vivendo cada vez mais. No meu modo de ver, o que faltou até agora é um governo se empenhar firmemente numa grande reforma previdenciária.
Quem mais o fez foi o governo FHC, mas no contexto de outras reformas também muito importantes, de modo que quando chegou o turno da Previdência, parte do capital político disponível inicialmente já tinha sido utilizado.
Nunca fui autoridade, mas ouso dizer que não há nenhuma pessoa no Brasil que tenha participado de tantos debates em defesa da reforma da Previdência como eu, nos últimos 10 anos. E uma coisa eu tenho muito clara: o espaço para vencer o debate é enorme.
Não se deve subestimar a inteligência das pessoas. Quando se mostram os números, as regras de outros países e a tendência de piora das contas, a realidade se impõe e mesmo quem se opõe à reforma percebe que é preciso agir.
O Financista: Há ambiente político para que isso seja feito no governo atual?
Giambiagi: Minha opinião é que é impossível o atual governo aprovar uma boa reforma da Previdência, porque ele dorme com o inimigo. Há um antigo ditado espanhol que é: "Cría cuervos y te comerán los ojos". O PT ficou alimentando durante anos e anos a lenda urbana de que a Previdência era superavitária e doutrinando os seus militantes em defesa de teses completamente malucas acerca do problema. Agora esses mesmos militantes se voltam contra a proposta de reforma da Previdência.
Ora, se nem o partido do governo é a favor da reforma da Previdência, indagam-se os parlamentares da oposição, qual é o sentido de ser a oposição a assumir essa bandeira? Eu sou um defensor bastante aguerrido da reforma, mas é preciso ser um marciano e acreditar em duendes para imaginar que se o PT rejeitar a reforma, vai ser a oposição que irá aprovar ela. Não é assim que se a política funciona, não é assim que a banda toca.
O governo pode até apresentar um bom projeto. Não acredito muito, mas dou o benefício da dúvida ao ministro Nelson Barbosa. Agora, daí a aprovar a reforma, há uma distância enorme.
O Financista: Qual o risco do contribuinte de hoje não receber o benefício no futuro e quando isso pode começar a acontecer?
Giambiagi: A velocidade em que as coisas estão se deteriorando no Brasil em termos fiscais é assustadora. Não dá para responder com precisão a essa pergunta, da mesma forma que não dá para saber exatamente quando um carro andando a 200 km por hora na montanha numa estrada sinuosa cheia de curvas vai acabar caindo no abismo, mas é evidente que uma história onde o déficit público é da ordem de 10% do PIB, a despesa da Previdência cresce 3% a 4% ao ano em termos reais com o PIB crescendo muito menos ou encolhendo e com a dívida pública dando saltos a cada ano, não pode acabar bem.
O Financista: O governo tenta hoje um ajuste fiscal pontual. É possível manter uma política fiscal sustentável sem uma reforma previdenciária? Quais os riscos no longo prazo?
Giambiagi: O governo Dilma II não está fazendo ajuste fiscal no agregado. Em 2014 o déficit primário foi de 0,6% do PIB e este ano todos os analistas coincidem em que o déficit primário será maior do que isso. O que há, sim, é o que eu chamo de "canibalismo do gasto social", em que um gasto come o espaço do outro.
Como a despesa do INSS ocupa cada vez mais espaço, em 2015, em termos reais, a despesa das "outras despesas correntes e de capital" na saúde caiu 7%, no Ministério de Desenvolvimento Social nada menos que 11% e na educação espantosos 18%.
O governo Dilma está fazendo numa escala muito mais intensa o que ela disse na campanha que o Aécio faria. Estamos vivendo uma situação onde continuamos permitindo que muita gente se aposente precocemente, com 52 ou 54 anos e por outro lado não temos dinheiro para combater eficazmente o vírus da zika, a segurança é o que é, não há espaço para incentivar mais a construção de habitações populares, etc.
É uma inversão de valores, feita em nome da "preservação dos direitos sociais". É uma completa aberração. É uma política social sem sentido - permitir aposentadorias precoces - assassinando a outra.
O governo deveria discutir isso com diagnóstico, racionalidade, persuasão e articulação. Ao invés disso, não há nada sequer vagamente parecido a um diagnóstico, em matéria de racionalidade vale a observação ferina do Delfim ("o PT não sabe fazer regra de 3"), a capacidade de persuasão da presidente da República não se pode dizer que seja das maiores e em matéria de articulação política o atual é candidato a pior governo da história brasileira do pós-guerra.
Assim não há proposta que fique em pé. O risco é chegarmos a 2019 com o estado exaurido, a dívida pública de 80% a 90% do PIB e uma necessidade de fazer um ajuste fiscal dramático no início do próximo governo. Teremos perdido anos à toa, sem fazer nada. Dá vontade de sentar na calçada e, como diria o Nelson Rodrigues, chorar lágrimas de esguicho.
|
Inicio
»
economia
» Reforma na Previdência será adiada até problema ficar caro demais, diz Giambiagi
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Postar um comentário